A Quinta Turma do Superior Tribunal de justiça (STJ) seguindo orientação firmada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), entendeu pela impossibilidade de extensão do conceito de organização criminosa e manteve a progressão especial de regime de pena a uma condenada que possui filho menor de 12 anos.
O relator, ministro Reynaldo Soares da Fonseca, destacou em seu voto que, os crimes de organização criminosa e de associação para o tráfico tem definições legais diferentes, devendo respeitar o princípio da taxatividade (determina a necessidade de clareza na criação de uma infração penal, para que seja de fácil entendimento a todos), não podendo haver interpretação extensiva em prejuízo do réu (in mala partem).
A título de informação, segundo o artigo 1º, parágrafo 1º da Lei 12.580/2013, organização criminosa é a associação de quatro ou mais pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, mesmo que informal, com o objetivo de obter vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais cuja as penas máximas sejam superiores a quatro anos, ou que sejam de caráter transnacional.
Por outro lado, segundo o artigo 35, caput da Lei 11.343/2006, associação ao tráfico de drogas é a associação de duas ou mais pessoas para fim de praticar reiteradamente ou não, qualquer dos crimes previstos nos artigos 33, caput e parágrafo 1º, e 34 da mesma lei.
O ministro ressaltou que, no caso em julgamento, a condenação foi pelo crime de associação para o tráfico, o que não impede, por si só, a concessão do benefício da progressão especial disposto no artigo 112, parágrafo 3º, inciso V, da Lei de Execução Penal (LEP), tendo em vista sua referência a “organização criminosa”. Em sua visão, a interpretação desse dispositivo deve ser restritiva, de modo que só há organização criminosa na hipótese de condenação nos termos da Lei 12.850/2013.
Confira abaixo a Ementa:
AgRg no HABEAS CORPUS Nº 679.715 - MG (2021/0216912-0)
RELATOR: MINISTRO REYNALDO SOARES DA FONSECA
AGRAVANTE: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL AGRAVADO: AMANDA SAMARA DA CRUZ CORREA (PRESO)
ADVOGADO: RODRIGO ALVES DA SILVA MENEZES - MG190699
INTERES.: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS
IMPETRADO: TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MINAS GERAIS
EMENTA AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. EXECUÇÃO PENAL. PROGRESSÃO DE REGIME ESPECIAL. REQUISITO CONTIDO NO INCISO V DO § 3º DO ART. 112 DA LEP - PROIBIÇÃO DE PARTICIPAÇÃO DE ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA. EXECUTADA CONDENADA EM CRIME DE ASSOCIAÇÃO AO TRÁFICO. IMPOSSIBILIDADE DE EXTENSÃO DO CONCEITO DE ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA. VEDAÇÃO À INTERPRETAÇÃO EXTENSIVA IN MALAM PARTEM DE NORMAS PENAIS. PRINCÍPIOS DA LEGALIDADE, DA TAXATIVIDADE E DO FAVOR REI. JURISPRUDÊNCIA DO STF. FIXAÇÃO DE TESE JURÍDICA. RECURSO IMPROVIDO.
1. Não é legítimo que o julgador, em explícita violação ao princípio da taxatividade da lei penal, interprete extensivamente o significado de organização criminosa a fim de abranger todas as formas de societas sceleris. Tal proibição fica ainda mais evidente quando se trata de definir requisito que restringe direito executório implementado por lei cuja finalidade é aumentar o âmbito de proteção às crianças ou pessoas com deficiência, reconhecidamente em situação de vulnerabilidade em razão de suas genitoras ou responsáveis encontrarem-se reclusas em estabelecimentos prisionais [...] (HC 522.651/SP, Rel. Ministra LAURITA VAZ, SEXTA TURMA, julgado em 04/08/2020, DJe 19/08/2020).
2. A organização criminosa é a associação de 4 (quatro) ou mais pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos, ou que sejam de caráter transnacional. A associação para o tráfico de drogas, por sua vez, cuja tipificação se encontra no art. 35, caput, da Lei n. 11.343/2006, pune a seguinte conduta: associarem-se duas ou mais pessoas para o fim de praticar, reiteradamente ou não, qualquer dos crimes previstos nos arts. 33, caput e § 1º, e 34 desta Lei.
3. No caso, a agravada foi condenada pelo crime de associação ao tráfico, o que não impede, por si só, a concessão do benefício da progressão especial da pena (fração de 1/8), já que o art. 112, § 3º, inciso V, da Lei de Execução Penal faz referência à organização criminosa.
4. A diretriz contida nos dois precedentes invocados pelo Ministério Público Federal não tem sido confirmada pela Suprema Corte de Justiça Nacional. Recentemente, em longa e alentada decisão, o eminente Ministro EDSON FACHIN, após historiar a jurisprudência do Excelso Pretório no sentido de que o crime de organização criminosa tem definição autônoma e limites próprios, não sendo intercambiável com o delito de quadrilha (atual associação criminosa) ou mesmo associação para o tráfico, reafirmou a interpretação não ampliativa quanto ao termo "organização criminosa" ( HC 200630 MC/SP, DJe de 02/07/2021), proclamando, em seguida, a Segunda Turma do Excelso Pretório, em definitivo, a tese jurídica de que, em prol da legalidade, da taxatividade e do favor rei, a interpretação do art. 112, §3°,V da LEP deve se dar de modo restritivo. Nessa trilha, organização criminosa é somente a hipótese de condenação nos termos da Lei 12.850/2013, não abrangendo apenada que tenha participado de associação criminosa (art. 288 do CP) ou associação para o tráfico (art. 35 da Lei 11.343/2006). Plenário virtual.
5. Se, como pondera o Parquet, houve, por parte do legislador, “incoerência legislativa”, ou se “o ordenamento jurídico brasileiro possui mais de uma definição para o que vem a ser uma organização criminosa”, deve-se, de toda sorte, tomar, conforme a orientação do STF, o termo em sua acepção mais favorável à acusada, em atenção ao princípio do favor rei.
- Aliás, essa particular forma de parametrar a interpretação das normas jurídicas (internas ou internacionais) é a que mais se aproxima da Constituição Federal, que faz da cidadania e da dignidade da pessoa humana dois de seus fundamentos, bem como tem por objetivos fundamentais erradicar a marginalização e construir uma sociedade livre, justa e solidária (incisos I, II e III do art.3º). Tudo na perspectiva da construção do tipo ideal de sociedade que o preâmbulo da respectiva Carta Magna caracteriza como "fraterna" (HC n. 94163, Relator Min. CARLOS BRITTO, Primeira Turma do STF, julgado em 2/12/2008, DJe-200 DIVULG 22/10/2009 PUBLIC 23/10/2009 EMENT VOL-02379-04 PP-00851).
- Doutrina: BRITTO, Carlos Ayres. O Humanismo como categoria constitucional. Belo Horizonte: Forum, 2007; MACHADO, Carlos Augusto Alcântara. A Fraternidade como Categoria Jurídica: fundamentos e alcance (expressão do constitucionalismo fraternal).
Curitiba: Appris, 2017; MACHADO, Clara. O Princípio Jurídico da Fraternidade - um instrumento para proteção de direitos fundamentais transindividuais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2017; VERONESE, Josiane Rose Petry; OLIVEIRA, Olga Maria Boschi Aguiar de; Direito, Justiça e Fraternidade. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2017.
6. Agravo regimental improvido.
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